Conforme delação premiada, deputado Ademar Traiano recebeu, em 2015, R$ 100 mil do empresário Vicente Malucelli, na época diretor de televisão que prestava serviços ao Poder Legislativo. Áudio mostra parte da negociação entre deputado Ademar Traiano para recebimento de propina
Gravações que integram acordos formalizados pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR) com o deputado estadual Ademar Traiano (PSD), presidente da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), mostram parte das negociações feitas por ele em 2015 para o recebimento de R$ 100 mil em propina.
Os áudios mostram conversas entre Vicente Malucelli, que na época do pagamento era diretor da TV Icaraí, então prestadora de serviço da TV Assembleia, e o deputado. Eles falam sobre valores e sobre a forma como o dinheiro seria entregue. Ouça acima.
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A RPC e o g1 tiveram acesso aos áudios com exclusividade.
Os acordos sobre o caso revelaram que Traiano recebeu dois pagamentos de R$ 50 mil. Em um dos áudios, o presidente dá orientações para Malucelli pagar a segunda parte da propina.
Conforme as investigações, as propinas ao presidente foram pagas dentro do prédio da Assembleia Legislativa e também na casa do deputado.
Traiano: Pra você... a conta de um cara lá pra você mandar terça-feira.
Vicente: Os outros 50? [R$ 50 mil]
Vicente: Mas eu posso mandar da conta da tv mesmo?
Traiano: Sim, não tem problema nenhum. É uma empresa de mecânica lá.
Os áudios fazem parte de um processo finalizado, em que o Traiano admitiu ao Ministério Público que pediu e recebeu propina. Em troca da confissão e do pagamento de multa, para não responder criminalmente, ele pôde assinar um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) e Acordo de Não Persecução Cível (ANPC).
O mesmo caso, conforme o MP, tem participação do ex-deputado estadual Plauto Miró, que também admitiu ter pedido e recebido propina para formalizar acordos com o Ministério Público.
Conforme documentos, a delação de Malucelli foi em 2020 e os acordos firmados com Traiano e Plauto ocorreram em 2022. Pelo caso, os dois tiveram que pagar multas que, somadas, passaram de R$ 743 mil.
Apesar de ter acontecido há nove anos, o caso só se tornou público em dezembro de 2023 após reportagem da RPC e do g1, que tiveram acesso ao acordo. Na ocasião, uma liminar movida por Traiano impediu a veiculação da reportagem por cinco dias.
Atualmente, apesar de concluído, o caso está sob sigilo por determinação do desembargador Luiz Mateus de Lima, do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR).
Em nota, a assessoria de Traiano disse que o deputado "reforça a validade legal do acordo realizado e que os documentos veiculados estão sob sigilo judicial". A RPC e o g1 aguardam retorno dos demais citados para comentar o caso.
Deputado estadual Ademar Traiano (PSD) (à esquerda) e o ex-deputado estadual Plauto Miró, na época filiado DEM e primeiro secretário da Alep
Reprodução
O contexto dos áudios
Em depoimento ao MP, também obtido pela RPC, o empresário Vicente Malucelli disse ao Ministério Público que fez as gravações porque estava se sentindo ameaçado por Traiano.
Ao mesmo tempo, afirmou ter feito os pagamentos porque tinha receio que os dois deputados encontrassem uma forma de prejudicar o contrato com a TV Icaraí, que atendia a Alep desde 2012. Na época dos pagamentos, se aproximava do fim o vencimento da prorrogação automática do contrato da empresa com o Poder Legislativo.
Para o MP, o empresário afirmou que Traiano fez o pedido de propina para despesas de campanha, ato presenciado por Plauto. O valor inicial solicitado por Traiano para os dois deputados foi de R$ 300 mil, segundo o empresário.
Depois, a partir de uma negociação entre eles, a propina caiu para R$ 200 mil, dividida em duas partes iguais para cada parlamentar.
Em um dos áudios, Traiano questiona os pagamentos de Plauto.
Traiano: E o Plauto?
Vicente: O Plauto deixa comigo.
Traiano: Ele já me chamou.
Vicente: Ele tá “brabo”, mas eu vou passar ali, vou falar com ele: “oi, fique frio”.
Traiano: Não, é que ele me pediu... Eu “olha, eu liguei pra ele ontem...”.
Traiano: Você falou que me trouxe? [parte da propina]
Vicente: Não falo.
Vicente: Falo que vai ficar tudo pra terça-feira que vem.
Na mesma gravação, Traiano sugere que Plauto não pode saber que ele já recebeu uma parte do dinheiro.
Traiano: Vamos combinar uma coisa do Plauto. Você, até o final de semana, você realiza tudo?
Vicente: Provavelmente. Tenho mais saque agora... é que eu tô indo pra Maringá hoje, tenho compromisso lá amanhã.
Traiano: Tem que dizer isso pro Plauto.
Vicente: Não, mas eu falo com ele, isso não tem problema. Da outra vez nós já fizemos, acertamos.
Traiano: É que se ele souber que eu peguei...
Vicente: Não vou falar nada. Eu vou, procuro ele e digo que terça-feira eu venho falar com ele, aí eu já faço o depósito do teu na terça ou na quarta.
Ao MP, durante a delação premiada, Vicente Malucelli afirmou que fez a gravação em um aparelho celular. Garantiu, também, que o a gravação não passou por edições.
Os pagamentos
Empresário apresentou cópias de cheques que fez para deputado Ademar Traiano
Reprodução
De acordo com a deleção de Vicente Malucelli, o próprio empresário fez os pagamentos para Traiano. O primeiro, segundo o delator, foi feito em um envelope com R$ 50 mil em espécie, dentro do gabinete do presidente.
A segunda parcela do pagamento, de R$ 50 mil, foi dividida em três cheques assinados por ele – dois de R$ 20 mil e um de R$ 10 mil. Estes pagamentos foram feitos em outubro de 2015, de acordo com a delação, no hall do prédio onde o deputado mora, em Curitiba.
Vicente disse que, para agilizar o pagamento, o deputado dizia que o empresário podia fazer o pagamento com cheques pessoais e que mandaria o dinheiro para um terceiro que ele se referencia como "Júnior".
"E ele insiste que 'pode me dar teu mesmo, eu boto na conta... posso nominar um cara lá de uma oficina'. Júnior o nome, uma coisa assim. Não se é exatamente esse o destino final, né?"
Vicente Malucelli em delação ao Ministério Público
Reprodução
Conforme o empresário afirmou ao MP, a segunda parcela do pagamento foi feita diretamente por ele e posteriormente ressarcida pela empresa da qual ele era diretor. O ressarcimento, segundo ele, foi feito por Georgete Soares Bender, na época funcionária do grupo que atendia ordens de Vicente.
Também foi Georgete, de acordo com Vicente, que fez os pagamentos ao então deputado Plauto.
Funcionária também delatou
Georgete também prestou delação premiada e em depoimento ao MP admitiu ter feito os pagamentos para Plauto na sede da empresa em que trabalhava e por ordem de Vicente.
Ela afirmou que, inicialmente, não sabia que os pagamentos seriam feitos para um deputado.
"Ele [Plauto] chegou na na recepção, se anunciou. Daí eu fui buscá-lo, levei até a minha sala e entreguei o pacote com R$ 50 mil. Depois, num outro período, também aconteceu a mesma coisa. Também recebi ele na na recepção, levei até a minha sala e entreguei R$ 50 mil para ele [...] Perguntei se ele queria contar e ele [Plauto] também falou que não precisava."
Georgete também afirmou ao MP que Vicente comentou com ela sobre o pagamento de R$ 50 mil feito por ele, com cheques próprios, para Traiano.
"Foram duas parcelas de R$ 50 mil que eu entreguei pro Vicente. Uma ele inclusive falou que era pra cobrir uns cheques dele, que ele havia passado esses cheques pra um outro deputado [...] o Ademar Traiano. Foi o que ele me falou."
Principal acionista do grupo dono da TV sabia dos pedidos
De acordo com o empresário, o principal acionista do grupo que controla a TV Icaraí, Joel Malucelli, teve conhecimento de que Traiano e Plauto solicitaram o valor de R$ 300 mil em propina.
O acionista, entretanto, afirmou que não sabia os detalhes das tratativas dos deputados e de Vicente. Joel Malucelli também foi ouvido pelo MP.
"Na verdade, eu fiquei contrariado, porque não tinha sentido, não tinha porque pagar qualquer valor, mas o Vicente ponderou que poderia haver represália e que achava que ele devia acertar com eles. Foi quando eu sugeri a ele e disse 'Oh, então pelo menos deixa mais barato o prejuízo'. Sugeri que eles se contrapusessem pela metade do valor. E aí eu soube depois que o Vicente acabou aceitando por R$ 200 mil e depois eu não mais participei desse assunto e não, não soube mais nada", afirmou Joel ao MP.
O que dizem os citados
Até a última atualização desta reportagem, a defesa de Plauto e de Vicente Malucelli não tinham dado retorno sobre os áudios.
Georgete também não respondeu, mas já afirmou que a participação dela nos fatos se limitou ao cumprimento de ordens.
A defesa de Joel Malucelli também não respondeu e, desde que o caso se tornou público, não tem se manifestado.
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Publicada por: RBSYS